terça-feira, 2 de março de 2010

Carta ao amigo que se foi
Ricardo Gondim

Meu amigo,

Eu estava do outro lado do mundo quando chegou a mais devastadora notícia. Diziam-me que tu estavas com um acidente vascular cerebral. Sem conseguir avaliar a gravidade, esperei o melhor. Pedi aos céus que o próximo telefonema desmentisse o susto.

Dói, dói tanto, Allison, saber que a litania do corvo de Edgar Alan Poe se repetirá na minha janela: “Nunca mais, nunca mais!”. Sim, nunca mais escutaremos Drummond e Vinicius no som do meu carro; nunca mais leremos Quintana juntos; nunca mais correrás ofegante tentando acompanhar a mim e o Ed René “só para ouvir nossa conversa”; nunca mais terei um amigo tão sensível nos cultos onde vou pregar; nunca mais vou bolar no chão de tanto rir com tuas histórias.

Aí, onde estás, não imaginas a dor desse nunca mais.

Teu amor me foi caro como o das mulheres. Amei-te como a minha própria carne. Foste a menina dos meus olhos. Também pudera, soubeste cativar meu coração como ninguém. Estávamos em Anápolis, na casa do querido Nivaldo, e percebeste minha tristeza. Fazia pouco que eu saira do vórtice de uma guerra fraticida. Desiludido, sem crer em amizades, eu engolia a minha angústia. Calado ruminava minha dor. Mas tu sabias entrar no secreto de minha alma. E fizeste o que sabias melhor só para me alegrar o coração.

Que as ampulhetas sequem e os relógios atômicos parem, antes que eu esqueça aquela madrugada.

Os galos ainda não tinham anunciado as cinco, o sol ainda não ousara crescer no horizonte e escutei uma música suave: “Amigo é coisa pra se guardar/Debaixo de sete chaves/Dentro do coração”. Tropeçando entre o sono e a realidade, não acreditava nos meus ouvidos. Sussurrei: ”Quem canta nesta hora e com tanta emoção? Abri a porta do alpendre e lá estavas, ajoelhado, com o violão invertido (o Allison era canhoto), dois olhos salientes, com o sorriso mais largo do Ocidente. “Amigo é coisa para se guardar/No lado esquerdo do peito/Mesmo que o tempo e a distância digam 'não'/Mesmo esquecendo a canção/O que importa é ouvir/A voz que vem do coração”.

Cantaste com mais força que o Milton Nascimento. Ao serenatar para mim, fizeste daquele alpendre um solo sagrado. Tua música virou hino. E nossa amizade foi selada para a eternidade. Como é notório que não canto, agora é minha vez de recitar “Pois seja o que vier, venha o que vier/Qualquer dia, amigo, eu volto/Ate encontrar/Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar”.

Morro de saudade, Allison.

Soli Deo Gloria
23-02-2010





Nossaaaa.... nunca pensei que ler algo assim mexeria tanto comigo...

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